6 ESTEREÓTIPOS PERIGOSOS QUE A PORNOGRAFIA DISSEMINA

A pornografia ajudou a consolidar diversos estigmas ao mesmo tempo em que reforça continuamente aspectos da cultura patriarcal. Você já se sentiu mal assistindo alguma produção do gênero? Não se preocupe: não é só você. Conheça seis estereótipos derivados do mercado pornográfico e entenda como eles afetam mulheres e homens.

A internet ajudou a popularizar o pornô. Antes limitado por conta dos baixos custos e imprecisão de distribuição, a pornografia encontrou na web uma maneira de expandir fronteiras. Tanto é que em 2010, quase 60 milhões de norte-americanos haviam visitado sites pornográficos, segundo levantamento (veja) da empresa Nielsen Media Research. O número equivale a um quinto da população dos Estados Unidos naquela época.

O que pode ser visto como um ato inofensivo, na verdade solidifica determinados padrões violentos e estigmas sociais. Muitos livros e até mesmo produções audiovisuais já se dedicaram a mostrar os bastidores dessa indústria. 

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CRESCE NÚMERO DE MULHERES QUE CONSOMEM PORNÔ

Segundo o último levantamento feito pelo Pornhub, em 2019, o site recebeu 42 bilhões de visitas no ano, o que dá uma média de 115 milhões por dia. O Brasil está entre os 20 países que mais acessaram a plataforma.

O mesmo relatório mostra um aumento de 3% no número de espectadoras em 2019. O crescimento do envolvimento feminino na indústria pornográfica também mostra-se nos bastidores, com o desenvolvimento do chamado pornô feminista. Diferente do pornô mainstream, essas produções focam no prazer feminino, explorando a sexualidade de forma menos agressiva e mais real.

Mesmo assim, filmes pornográficos desse estilo ainda não recebem tanta atenção. E os homens ainda são o público-alvo predominante. No Brasil, 61% de homens acessaram o Pornhub contra apenas 39% de mulheres. 

É evidente que o público feminino está se permitindo conhecer melhor seus corpos, ao deixar de lado tabus em relação à sexualidade. Mas, ao acessar as maiores plataformas pornográficas, elas ainda são expostas a vídeos violentos e irreais. Como qualquer mídia, o pornô exerce função ideológica, à medida em que influencia e perpetua a cultura patriarcal e consolida estereótipos.

E, por mais que masturbação seja considerada como algo positivo para o autoconhecimento e saúde em geral, é necessário tomar cuidado para não alimentar estereótipos perigosos ao consumir o universo pornográfico. A fim de evidenciar tal angulação da pornografia, que incrementa padrões para mulheres e homens de forma negativa, o NÃO ÓBVIO compilou seis estereótipos derivados dessa indústria, mostrando como eles se refletem na sociedade e vice-versa.

1. A JOVEM PURA


Entre 2013 e 2014 a categoria mais buscada no Pornhub era teen. No levantamento feito pelo site em 2019, por mais que teen não aparecesse em primeiro lugar, ainda estava entre as mais procuradas. 

Ao avaliar 10 mil atrizes pornô, o jornalista Jon Millward descobriu que o papel mais comum dado a elas é o de adolescente. Geralmente, mulheres que atingem a maioridade atuam nesses papéis, como filhas, irmãs, colegiais e líderes de torcida. Também é muito comum que elas chamem os parceiros de daddy.

Para além do pornô, o fascínio pela juventude e medo do envelhecimento se traduz na quantidade de produtos de beleza disponíveis para mulheres. Um relatório publicado no site Research and Markets mostra que o faturamento do mercado antienvelhecimento deve aumentar mais 6,5% até 2024.

A pesquisa Corpo, Envelhecimento e Felicidade, feita pela antropóloga Mirian Goldenberg em 2018, mostra que as mulheres brasileiras começam a se preocupar com a idade antes dos 40 anos. 

Esse temor está ligado ao fato de que a sociedade valoriza a aparência feminina mais do que a masculina. Enquanto os homens se preocupam com dinheiro e status, as mulheres dão atenção aos cabelos brancos e rugas, porque vivem todo dia pressões etárias que afetam sua autoestima.

Ao mesmo tempo, esse tipo de preocupação reforça os perigos da cultura da pedofilia. A imagem infantilizada da mulher reforça aspectos ligados à pureza, à passividade e à submissão ao sexo oposto; que lhe são esperadas socialmente.

Desta forma, o homem mantém seu status dominante dentro e fora das telas. Em consequência, e de forma involuntária, as mulheres incorporam esses padrões opressores, de forma a retardar o aparecimento de rugas, cabelos brancos e pelos pelo corpo.

2. A IMPERFEITA


Muitos filmes pornôs são protagonizados por pessoas brancas. As mulheres geralmente são brancas, magras, com zonas erógenas pequenas, claras, rosadas e depiladas. A exposição contínua a esses padrões pode gerar insegurança no público feminino – bem como aumento de expectativa fora do padrão aos homens. 

De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), em 2017 as mulheres brasileiras eram as que mais recorriam a cirurgias íntimas como labioplastia, para reduzir lábios genitais.

O procedimento é indicado para quem tem lábios grandes, o que causa dor ou desconforto físico. Mesmo com esta indicação, muitas jovens entre 18 e 35 anos procuravam a labioplastia como maneira de aliviar pressões estéticas e até mesmo para evitar rejeição do parceiro.

No relatório Female Genital Cosmetic Surgery, a autora e psiquiatra Drª Lih-Mei Liao admite que os resultados da labioplastia são similares às vulvas vistas na pornografia.

Acima de tudo, é preciso ter bom senso. Nada do que é retratado em filmes pornográficos é real. Existem inúmeros tipos de vaginas. O Large Labia Project estimula esse pensamento. 

Criado pela australiana Emma P., o projeto vai contra a indústria pornô. O LLP tem uma galeria com os mais diversos tipos de vaginas e ainda estimula mulheres a amarem suas vulvas do jeito que são.

3. O BÁRBARO


Segundo a socióloga Gail Dines, fundadora do movimento Stop Porn Culture, o pornô influencia como homens enxergam a sexualidade. Os homens são expostos a uma realidade em que devem intimidar mulheres, encorajados a utilizar até mesmo violência, manipulação verbal ou bebidas alcoólicas para persuadi-las.

Em entrevista a organização anti-pornô Fight the New Drug, um ex-ator relatou que vivenciou situações desagradáveis nos durante momentos de filmagem. “No set, uma vez, vi uma garota levar um tapa do namorado com força suficiente para quebrar o queixo. Isso me fez querer arrancar sua cabeça. Outra vez, eu estava em uma cena com uma garota enquanto três caras diferentes faziam sexo com ela, e ela vomitou em cima de nós. [Os produtores] ainda queriam que continuássemos enquanto ela estava mancando e desmaiando”.

O estudo Aggression and Sexual Behavior in Best-Selling Pornography Videos, lançado em 2010, mostra que 88% dos vídeos pornográficos continham algum tipo de agressão física, como tapas, enforcamento e engasgo.

Um ano mais tarde, outro relatório mostrou que 83% dos universitários norte-americanos que assistiam ou já haviam assistido pornô mainstream eram mais propensos a cometer estupros ou agressões físicas (se soubessem que não seriam pegos), do que aqueles que não haviam consumido vídeos do tipo nos últimos 12 meses.

Quem consome pornografia por muito tempo tempo mais probabilidades de incorporar esses padrões. Mas, é preciso lembrar que o pornô é feito por atores e atrizes, de acordo com o que é mais lucrativo. É uma indústria brutal. 

Homens não são bárbaros insaciáveis, mas seres humanos em busca de conexões. O sexo é uma troca que deve ser, acima de tudo, respeitosa.

4. O MACHO ALFA


Desde a construção e estruturação da sociedade, o homem sempre teve privilégios em relação à mulher. Durante muito tempo, vistas como propriedades e sem nenhum direito, eram passadas do pai ao marido. O homem era visto como o dominante. 

Na pornografia não é diferente. É possível observar nas entrelinhas de diversas produções determinadas características que salientam ao homem o que é ser homem de fato.

Nesse sentido, a indústria foca na dominação masculina e obediência feminina, conforme o homem é representado como o predador em busca da presa. A continuidade desse papel reforça a chamada masculinidade frágil (ou tóxica).

A masculinidade frágil se refere a comportamentos que reafirmam o papel do homem, como ser agressivo, não expressar seus sentimentos, não abraçar nem beijar amigos, muito menos explorar novas formas de prazer como o toque retal. Esses conceitos ainda são fortemente enraizados na sociedade. E o fato do homem sequer cogitar alguma dessas experiência o faz ser visto como maus olhos. 

Uma pesquisa feita pelo Datafolha em 2017, a pedido da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), revelou que para 21% da população masculina do país, o exame de toque retal não é “coisa de homem”. Para o grupo de risco, acima dos 60 anos, 38% não acham necessário e 27% nunca fizeram o exame. Além disso, 48% não fazem o teste do toque por machismo.

Em entrevista, o fundador do curso Prazerele (dedicado a repensar o sexo e masculinidade através da sensorialidade), Cláudio Serva, diz que “o patriarcado e o machismo facilitam a vida do homem, mas geram uma série de angústias”.

Por isso, Cláudio criou o Prazerele, com o objetivo de fazer com que os homens se reconectem com quem realmente são, para além dos estigmas sociais.

5. A DEFEITUOSA


Voltado ao nicho majoritariamente masculino, diversas produções ignoram o prazer feminino. Quando o ápice é alcançado em poucos minutos, muitas mulheres sentem-se desestimuladas. E a frustração aumenta quando atriz tem um squirting – um dos temas mais pesquisados no Brasil em 2019.

Na verdade, não há com o que se preocupar. Segundo especialistas as mulheres têm mais dificuldades para alcançar o orgasmo do que o homem. 

No entanto, não “chegar lá” está mais ligado a questões psicológicas. Como, por exemplo, transar apenas para agradar o parceiro, a falta de diálogo ou conhecimento sobre o próprio corpo. Até mesmo o medo e pressões estéticas interferem e travam a mulher.

Acima de tudo, é preciso de desvencilhar de mitos, exageros e pressões próprias, relaxar e curtir o momento.

Mulheres podem ter orgasmos sem ter squirt, um não é consequência do outro. Portanto, ejaculação squirt mostrada em vídeos pornográficos não é real.

6. O INSACIÁVEL


Além de se mostrarem como machos alfa a todo momento, os homens precisam manter a postura insaciável e viril. Por isso, broxar na hora H não é uma opção. 

Não é difícil encontrar depoimentos de ex-atores que revelam formas degradantes como eram tratados. Muitos desabafam sobre a crueldade por trás das câmeras: o que parece ser uma maneira fácil de fazer dinheiro, te arrasta para um buraco sem fundo e sem perspectivas de futuro.

Tratados como máquinas, os atores devem se manter excitados por horas, até as gravações acabarem.

Em entrevista ao jornal India Times, o ex-ator pornô Christopher Zeischegg, contou que é comum broxar, mas como isso pode acabar com a carreira dos atores iniciantes. 

“Há falta de intimidade ou química com um parceiro, a equipe de filmagem, a pressão para conseguir ereção no momento certo, mantendo uma ereção durante as fotos… Por isso a maioria dos artistas masculinos falham no início de sua carreira”. 

A cultura patriarcal estabeleceu uma personificação errada do que é ser homem. E a perpetuação desse cenário prejudica a visão sobre algo que, na verdade, é absolutamente normal. 

Uma pesquisa feita no Brasil, realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) indicou que a disfunção erétil é mais temida pelos homens do que o câncer. Outra realizada na Europa e nos Estados Unidos, mostrou que 69% dos homens entre 18 e 46 já broxaram.

A indústria pornográfica está repleta de situações que envolvem controle psicológico e coerção, sexo não consensual desprotegido e sodomia forçada. Os reflexos dessa indústria são vistos dentro e fora das telas. E, por mais que a indústria avance contra a violência e abuso de atores com movimentos como o pornô feminista e grupos anti-pornografia, muito ainda precisa ser desconstruído.

Autor: Carolina Rodrigues • @carolinahelfstein

Jornalista apaixonada por k-pop e aficionada pela cultura pop em geral.

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