5 LIVROS NÃO ÓBVIOS SOBRE O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Livros escritos pelos próprios ex-detentos, obras que relatam os lados mais tensos das prisões nacionais e outros tantos conteúdos estão nesses títulos repletos de denúncias reais e adrenalinas.

O sistema prisional do Brasil é um estudo de caso para vários pesquisadores por ser uma bomba relógio: presídios superlotados, falta de aparato psicológico – não só para os detentos, mas também para os agentes penitenciários – e corrupção constante.

Para explicar melhor essas tensas realidades, livros bem conceituados e nada óbvios trazem curiosidades enquanto se aprofundam em personagens e situações para exibir injustiças e problemáticas do sistema. Confira:

☌ Obras como Estação Carandiru, Prisioneiras e Carcereiros, de Drauzio Varella, são famosos por sair do raso ao tocar na temática. Mas separamos outras tramas e apurações para tirar você dos clichês.

1. A Dona das Chaves: uma mulher no comando das prisões do Rio de Janeiro | de Julita Lemgruber

Neste livro, a ex diretora do Desipe (Departamento do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro), Julita Lemgruber, e a jornalista Anabela Paiva, narram histórias reais sobre o cotidiano de uma mulher no comando das prisões fluminenses.

Julita, nos anos de 1980, realizou uma pesquisa de mestrado que posteriormente virou o livro Cemitério dos Vivos, sobre Talavera Bruce, famosa penitenciária feminina. Desde então, conviveu com a população carcerária, a qual na época desta pesquisa, também contava com presos políticos da ditadura militar.    

Logo de início, o livro já dá uma prévia dos desafios que serão enfrentados: no primeiro capítulo, Julita narra sobre uma prisão de 14 bicheiros do Rio de Janeiro, os quais queriam regalias nas prisões, porém, pegaram uma diretora “100% disciplina e 0 violência”, como era seu lema.     

A narrativa do livro é construída através de vários capítulos sobre diversos casos, com dados reais, explicitando sobre o que ocorreu durante sua administração.

Quando assumiu o controle dos presídios no governo de Leonel Brizola, a diretora sempre deixou muito claro que não teria rabo preso com ninguém e que iria fazer o máximo para humanizar o sistema carcerário carioca. 

Julita buscou reduzir a violência policial dentro das penitenciárias, reduzir o número de prisões preventivas/provisórias para penas alternativas, nada mais que cumprir com sua função de manter um ambiente minimamente saudável dentro das prisões, como previsto no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988.    

Apesar de estarem localizadas no Rio de Janeiro, as autoras, de forma inconsciente, mostram a brutal realidade das penitenciárias de todo o país e como o estado deplorável contribuiu para a formação do Comando Vermelho.    

O livro se desenvolve com uma linguagem fluída e às vezes até irônica, dando leveza a um assunto tão sério e pertinente. Julita ainda cita que há um abandono não só da sociedade como também da imprensa em relação à situação da situação penitenciária brasileira:

“Desconfio que a maior causa desse silêncio seja a falta de interesse de nossa sociedade – e por tabela da imprensa – sobre o que acontece nas prisões. O assustador aumento da criminalidade que o Brasil experimentou a partir dos anos 1980 gerou um sentimento de grande animosidade contra os autores de crimes violentos. Vivemos em uma sociedade que chora quase 50 mil mortos por homicídio todos os anos”.   

“Galos de briga, fraldas e alface”, o último capítulo do livro é a triste realidade de quem é preso por roubar para sobreviver e acaba entrando em um sistema de correnteza, no qual quem nada contra, sofre duras consequências: ao ir para a prisão provisória por um delito que poderia receber pena alternativa, o indivíduo acaba por praticar outros para se manter dentro da cadeia.    

Mais do que prazerosa, a leitura de A dona das Chaves é necessária para se abrir os olhos para o sistema carcerário brasileiro, o qual faz vítimas todos os dias, inclusive para quem está fora das grades.

Páginas: 266
Preço: R$ 10,90 | R$ 0,00 (Kindle)
Onde adquirir: Amazon
Formato: físico ou e-book
Editora: Record
Ano: 2010 (primeira versão)

2. De quem é o comando? O desafio de governar uma prisão no Brasil | de Eduardo Matos de Alencar

O professor doutor em sociologia, Eduardo Matos de Alencar, transformou sua tese de doutorado sobre o Complexo Penitenciário de Curado, na grande Recife-PE, em um livro, que apesar de ser fruto de trabalho científico, propõe uma linguagem romântica sobre a pauta carcerária no Brasil. 

Científica no levantamento de dados, jornalística na investigação dos fatos que permeiam o Complexo e acadêmica por se tratar de uma tradução de tese de doutorado, a obra se mostra isso e muito mais. “De quem é o comando?” questiona, analisa e cria hipóteses sobre a liderança dentro das prisões.

Assim como em A Dona das Chaves, Matos consegue uma visão nacional mesmo retratando apenas a capital pernambucana, revelando que a visão de que as duas maiores facções do Brasil: Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho não são sempre as que estão no topo, como pensa grande maioria.

Durante a narrativa, o professor aborda a existência dos “chaveiros”, os quais são presos que desfrutam de uma liberdade e autoridade dentro do pavilhão, sendo uma ponte entre os outros detentos e entre os encarcerados e o Estado, ali representados pelos agentes penitenciários.  

No livro, é retratada a sobrevivência dentro dos presídios, as moedas de troca, o poder da influência com foco principalmente na questão: quem está no comando? Esta pergunta norteadora nos leva à várias outras, inclusive à perguntas muito frequentes mas sem resposta: como o Complexo Curado, que tem capacidade para 1800 detentos mas abriga 7000, não explode em um ambiente tão caótico, frágil vivendo todos os dias como uma bomba relógio?  

A obra de Eduardo Matos elenca diversos temas, explicando de uma maneira nada academicista, diga-se de passagem, o porquê o Complexo do Curado existe dessa maneira, como ele chegou a esse ponto e consegue responder, por mais difícil que seja, de quem é o comando.

Como bem pontua Luiz Ramiro, Professor de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF): “o autor esclarece os problemas e aponta que ‘o buraco é mais embaixo’, que lei e ordem são essenciais, e que a administração do caos é um ciclo infernal”.

Páginas: 724
Preço: R$49,36 | R$52,11 (Kindle)
Onde adquirir: Amazon
Formato: físico ou e-book
Editora: Record 
Ano: 2019 (primeira versão)

3. Vozes do Cárcere: Ecos da resistência política | de Thyla Oires e Felipe Freitas

Este livro já foge completamente da perspectiva de que estamos acostumados: não são sociólogos, diretores de penitenciárias, juristas ou jornalistas contando histórias sobre o que acontece nas cadeiras; são os próprios detentos escrevendo como é a sobrevivência nos presídios.   

A obra é um compilado de quase 9000 cartas endereçadas à instituições públicas, como o Superior Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e Ministério Público Federal (MPF), contendo denúncias e pedidos de ajuda. As cartas revelam a falta de assistência jurídica, abuso de força dentro das prisões e constantes violações dos direitos humanos.   

Além das correspondências, o livro conta com a análise dos autores que participaram do projeto que tem por intuito fazer um levantamento anual do sistema carcerário brasileiro.    

A obra é uma leitura fundamental para entender não só o que acontece dentro das grades como fora também: “As cartas não revelam só o que acontece atrás das grades, mas os pactos políticos que a gente reafirma fora dela. O sistema carcerário como vemos é uma forma política de solução de conflitos que nós, enquanto sociedade, endossamos todos os dias”, como pontuou Thula Pires, uma das autoras do livro.

O sistema carcerário brasileiro é um iceberg no qual conhecemos apenas a ponta, e Vozes do Cárcere nos ajuda a mergulhar no oceano para enxergar melhor do pouco que é divulgado sobre o assunto. Assim, a leitura vira uma verdadeira experiência de imersão e entendimento de que os direitos humanos devem ser aplicados em qualquer lugar e à qualquer ser humano.

Páginas: 478
Preço: gratuito
Onde ler: Clique aqui
Formato: e-book
Editora: Kitabu
Ano: 2018 (primeira versão)

4. Quando a Liberdade Vira Pó: como as drogas levaram um jovem empresário ao submundo das cadeias do Rio de Janeiro | de Fernanda Portugal

Diferentemente dos livros bem conhecidos, este não conta diretamente sobre o cotidiano nas cadeias ou com protagonistas fora das penitenciárias: A obra conta a história de Pedro Madsen Andrade que, a partir do próprio depoimento, virou livro pelas mãos da jornalista Fernanda Portugal.

Pedro era um jovem de classe média que morava na Barra da Tijuca que sempre teve prazer em andar com pessoas mais velhas e que fumavam maconha. A trama se inicia com o desenvolvimento do vício com as drogas e como a substância passam a ocupar um espaço tão grande em sua vida que colocou não só ele como pessoas à sua volta em risco.     

Loucamente apaixonado por Bertha, uma mulher que apesar de usar cocaína não caiu no vício como Pedro, mostrou-se indiferente com relação à Pedro, que por sua vez perdeu totalmente o controle com a droga e foi parar a cadeia.   

O livro se mostra detalhista e penetrante à todo momento, revelando como Pedro utilizava as drogas, suas reações com acontecimentos à sua volta e como ele lidou com a cadeia.   

Quando ele já está na cadeia, a autora, Fernanda Portugal, dá muita atenção à cada detalhe do presídio: ela conta sobre as prisões que Pedro passou, utiliza capítulos separados sobre como esses outros detentos foram parar ali e aprofunda sobre como era a relação dele com os companheiros de cela.

Ela narra sobre os sistemas de corrupção dentro dos presídios, sobre o abuso da força policial, sobre a ausência de tratamento correto para dependentes químicos e sobre o acesso à drogas dentro das cadeias.

Páginas: 208
Preço: R$30,00
Onde adquirir: Estante Virtual  
Formato: físico 
Editora: Babilônia  
Ano: 2017 (primeira versão)
Nota no Skoob: 4.6
Nota na Amazon: 3.9

5. Cadeia: relato sobre mulheres | de Debora Diniz

Nada fictício e com uma linguagem curta, objetiva e simples, a antropóloga premiada, Débora Diniz, escreve a história das mulheres encarceradas em um presídio na capital do país, Brasília. 

A escrita muitas vezes demonstra a dor, arrependimento e a tristeza de deixar um filho para a adoção, mas também escreve de maneira irônica a até humorística sobre diversos episódios dentro da cadeia. 

Saindo do protagonismo masculino, a obra mostra que o presídio feminino está repleto de mulheres abandonadas. 

Em entrevista ao grupo editorial Record, Diniz revela que “aquele não é um lugar qualquer, mas uma máquina de produzir mulheres abandonadas, por isso, todo acontecimento é singular”.

Muitas vão parar na cadeia por tentarem ajudar cônjuges e parentes presos ao tentar traficar drogas, celulares para dentro das cadeias masculinas e a partir disso se dá a produção de mulheres abandonadas não só pelo Estado, como também por seus entes. 

Para o filósofo Everton Marcos Grison, graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), “a filosofia de Theodor Adorno (1903-1969) delegava o trabalho de transmitir a dor através do conceito. A autora realiza a tarefa. Coloca a filosofia em curso, ao desnudar no “conceito de cadeia”, a infinidade de sons, cheiros, olhares e dores”. 

Veja a citação de três presas políticas para a revista Versus: “Não há mulher tão oprimida como a mulher marginal. Não há ser humano tão ferido em sua dignidade, tão carente de amor próprio quanto a mulher marginal… O malandro não se sente culpado, o malandro nunca está arrependido… O malandro se auto legitima, o malandro tem orgulho e amor próprio. Mas a mulher do malandro, não. A mulher marginal quando diz “eu não presto”, diz com sinceridade. Não que tenha uma visão diferente dos seus companheiros… Para ela também o mundo se divide em otários e malandros. Só que ela não é nem uma coisa nem outra. Ela é alguém que se perdeu, portanto, uma mulher que não presta. Para o homem, ser malandro pode ser uma arte. Para a mulher, ser marginal nunca será uma arte. Será sempre uma desonra. O próprio malandro vai recriminá-la por estar presa, largando os filhos à própria sorte”.

 Atual e necessário, o livro traz a tona não só o tema do sistema carcerário brasileiro como também sobre a dependência química, se tornando mais importante para entender como o vício pode acabar com a trajetória de uma pessoa. 

Assim como todos os outros livros mencionados, o título escancara a insalubridade, abandono, falta de assistência jurídica e psicológica de um sistema que tem por intuito não ressocializar e apenas a punição, formando um ciclo sem fim que prejudica não só quem está detido mas também toda a sociedade. 

Páginas: 224
Preço: R$28,72| R$0,00
Onde adquirir: Amazon  
Formato: física ou e-book 
Editora: Babilônia  
Ano: 2017 (primeira versão)

VOCÊ TAMBÉM PODERÁ GOSTAR: